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A Residência Médica em Neurocirurgia

  • gustavocabral31
  • 6 de mar. de 2022
  • 3 min de leitura

Começo a usar esse espaço para também escrever sobre educação médica. Além da paixão pelo sistema nervoso e as cirurgias, sempre nutri interesse pela parte educacional. Como preceptor da residência, as conversas com os residentes não são apenas sobre casos clínicos e estratégias cirúrgicas, mas passam por situações pessoais e relacionadas ao trabalho em equipe.


Angústia, incerteza, insegurança, teimosia, medo, euforia, esperança e excesso de confiança são alguns dos sentimentos/comportamentos que eu observo nos residentes ao longo da caminhada deles nos cinco anos de especialização. E é fácil perceber isso, pois eu também fui residente e nutri todos esses sentimentos que agora observo e tento amenizar ou melhorar.



A transição da faculdade para a residência nem sempre é fácil. A pessoa sai de um ambiente onde existe um horário definido para assistir aulas, o professor orienta a bibliografia que cai na prova e a responsabilidade é passar de período, e entra para o dia-a-dia da especialidade médica, sem aulas, sem professores com calendário de aulas definidas, sem bibliografias para provas, sem trabalhos a serem apresentados, mas com cobrança de resolver os problemas dos pacientes, tomar decisões importantes e agir como médico especialista - tudo isso sem um manual ou um guia para consulta! Ou seja, o residente é cobrado como médico e como aluno/aprendiz.



O dia-a-dia envolve visita aos pacientes internados, participação nas cirurgias, atendimentos ambulatoriais, plantões de emergência e atividades acadêmicas. Além disso, há o contato direto com outros profissionais da saúde (enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos) e com setores diversos (CTI, internação, emergência, ambulatório). Cada setor e cada profissional possui particularidades e o relacionamento interpessoal é desenvolvido aos poucos, focando no bem-estar do paciente (e, obviamente, possibilitando crescimento profissional do residente).


Rotina é uma palavra difícil para o cirurgião e mais ainda para o residente de especialidade cirúrgica. A calmaria de um dia com poucos pacientes internados pode se transformar em caos, com cirurgias de emergência e complicações de pacientes internados. Sendo assim, jantares em família, compromissos sociais ou até mesmo aquele tempo previsto para estudo costumam ser mais raros do que se imagina, e é preciso compreensão dos amigos, namorado(a), esposo(a) e familiares sobre essa fase da vida.


A residência de Neurocirurgia não possui pré-requisitos como em outras especialidades cirúrgicas (como urologia e cirurgia plástica, por exemplo), ou seja, é especialidade de acesso direto. Do ponto de vista prático, é normal os residentes do primeiro ano não possuírem noções básicas de cirurgia. Isso possui pouco impacto, pois o programa é ao longo (cinco anos) e em pouco tempo os conceitos podem ser ensinados.


Falando em conceitos, considero-os fundamentais para a evolução do residente. É importante aprender a colocar parafusos na coluna ou a dissecar o tumor cerebral, mas muito mais importante é aprender sobre a fisiopatologia da doença, entender a indicação da cirurgia e estudar o passo a passo da técnica cirúrgica. A execução do ato é apenas a parte final da etapa do aprendizado. É claro que o “aprender fazendo” não é proibido ou não dá resultado, mas executar o ato depois de ter estudado e entendido aquilo que será feito permite a consolidação do conhecimento e facilita muito a capacidade de resolução de problemas.



O longo tempo da residência possui prós e contras: permite o treinamento do residente para as principais cirurgias da especialidade, com possibilidade de refinar e aperfeiçoar as técnicas, cria redes de contato com staffs do serviço, residentes e staffs de outras áreas; por outro lado, há nítido desgaste com as dificuldades do sistema de saúde (pertinentes a cada hospital) e a preocupação com a alocação no mercado de trabalho. Esta última é legítima, mas não deve interferir no trabalho e no comportamento do residente - é muito melhor ser reconhecido pelo próprio mérito.


Durante os cinco anos, a satisfação pelos bons resultados cirúrgicos supera em muito a frustração pelas complicações e desfechos desfavoráveis. Mas são nessas situações de adversidade que ocorrem grandes aprendizados.



Boa parte das doenças neurocirúrgicas acabam gerando vínculo entre paciente e cirurgião (não é fácil para ninguém permitir que sua cabeça ou coluna seja operada), e é essa relação médico-paciente que acaba determinando um tratamento integral: a confiança do paciente com o cirurgião é tão grande que ele o procura para assuntos muitas vezes não relacionados à cirurgia; e faz parte do nosso papel como médico acolher o paciente, ajudá-lo e orientá-lo.


Finalizando, preciso deixar claro que não existe receita de bolo para uma boa residência. É uma fase totalmente nova para o médico recém-formado, em que há o crescimento como médico e o aprendizado de uma especialidade cirúrgica. Independentemente do local da residência, o conselho que deixo é o mesmo: dedique-se, “vista a camisa” do hospital, tenha objetivos, estude, invista na carreira, curta os momentos de descanso e de férias, e o principal: SEJA MÉDICO!

 
 
 

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